Ela me pediu um tempo.
Eu não sei. Na hora pareceu uma boa saída, sabe? Estava tão cansada. No redemoinho da situação, no calor da hora a gente fala um monte de bobagem, troços que intimamente pensamos, mas não cabe dizer. Eu não queria dar um tempo, eu só queria terminar com aquela gritaria, fugir, sei lá, virar pó, desmaiar, qualquer coisa. Ele não precisavaouvir algumas coisas que eu disse. Sei que o magoei.
Bom, foi ela quem pediu, não foi? O que eu poderia fazer a respeito? Em princípio, ficou decidido uns trinta dias. Eu não sei se vai resolver, esse mês longe. Mas o que a gente iria fazer? Acabar esganando um ao outro, ao mesmo tempo. Naquele dia pareceu a melhor solução. Agora eu já não sei mais.
Eu odeio quando ele mente. Tudo bem, quando ele omite, mas para mim é a mesma coisa. Passa tempos sem mostrar entusiasmo por nada e aí eu o pego falando sobre um novo projeto com algum amigo. Isso me deixa pé-da-vida. Parece que ele não me quer por perto, que não mereço esse tipo de atenção da parte dele.
Para uma garota, eu acho ela muito fechada. Pô, passei décadas tentando compreender uma mulher, saindo com elas, para quando eu morasse com uma, eu soubesse o que fazer. E agora isso, parece que estou namorando o Kimi Raikkonen. Ela é estranha, nunca demonstra nenhuma insatisfação, nunca faz uma cena de ciúme, não chora em filmes. Nunca sei como agir, é como se meu time jogasse sem centroavante, sabe? Fico sem referência.
Sinto falta dele me pegando, de surpresa, como uma qualquer que conheceu na rua. Não sou muito romântica, dessas de jantar à luz de vela e toda essa parafernália. Por mim, a gente pula para a cena de sexo. Ele diz que eu tenho muita testosterona, às vezes brinca de me pedir emprestado. Ele acha que a gente não precisa fazer todos os dias. Uma vez ele veio com um papo freudiano ridículo de que os homens intelectualizados precisam de novidades, por isso sentem menos tesão. Mandei ele se foder, mas o palhaço disse que estava sem vontade. Pode?
Eu acho o sexo supervalorizado dentro de uma relação. E ela me cobra isso o tempo todo, às vezes força a barra por uma novidade. Um dia eu ri da lingerie dela, achei horrorosa, parecia uma asa-delta, uma alegoria de fevereiro. E o pior é que ela pôs todas as expectativas naquilo. Sabe, por mim aquela peruca rosa-choque da Natalie Portman em Closer já seria o bastante. Você também acha, não é? Não gosto da sexualidade previsível. Sei lá. Sei que quando a gente faz é bom. Pra mim. Pra ela, não sei. Seria educado da parte dela fingir uns orgasmos de vez em quando.
A última vez que senti que precisava dele? No show do Bob Dylan que ele não quis ir comigo, achou o ingresso muito caro pra quem não curte muito Bob Dylan. Bom, eu disse que ia sozinha e fui, não quis nem saber. Chorei o setlist inteiro, com ênfase em “You Belong To Me”. E o engraçado é que nunca choro na frente dele, ele deve me achar uma dinossaura insensível. Ah, se o espelho do banheiro falasse. Era meu sonho ver o cara e eu queria que ele estivesse comigo lá. Foi quando eu me dei conta. Preciso de quem amo para compartilhar tudo aquilo que sonhei. Ou não faz sentido.
Foi quando meu pai morreu. Mas eu não quero falar sobre isso. Teve a vez que eu planejei morar um tempo na França. Era o sonho da minha vida, comer crepe, fumar cachimbo, passear pelo Arco do Triunfo, navegar pelo Sena, ler Flaubert e Rimbaud. Ela achou a ideia legal, mas não se animou. Foi quando eu vi que, insistindo com o plano, ela acabaria me dizendo que ia ficar no Brasil. Seria o fim. Eu desisti do meu sonho por ela, eu queria ficar com ela e não me arrependo. A gente sonha sozinho pra depois realizar com alguém. Complicado isso.
Do que eu tenho medo? Deixa eu ver. Sei lá, de repente de chegar um dia e ver que foi tudo em vão, que não valeu a pena, cada gesto ou cada ação, cada investimento e concessão. Sabe aquela cena clássica no restaurante? Os dois jantando em silêncio, a mulher olhando para os lados atrás de casais iniciantes, mais felizes e vivazes que o relacionamento dela, o homem com o olhar atrás de um traseiro mais durinho. Eu tenho medo de um dia acordar e sentir que acabou.
Não tenho medo de nada, eu acho. Talvez dela perceber que, na verdade, eu sou um fraco. Sabe, cara, eu convivo diariamente com essa sensação de que ela merece alguém melhor, capaz de protegê-la de verdade, dar-lhe um centro, uma vida, talvez uma família. Ela jamais ouvirá da minha boca, mas eu não me acho suficiente. É isso, meu medo é que ela descubra sozinha. Acho que tenho medo mesmo é dela inteira, mais do que, sei lá, de assalto ou de avião. O que é estranho, porque ela é tão pequenina e delicada e inofensiva.
Ah, ele cozinha bem. Eu adoro quando ele fica vagando pela casa, entrando de quarto e saindo de quarto, com aquela calça de moletom cinza, meia e havaianas, e aquela camiseta centenária do Kurt Cobain que ele não vive sem. É quando eu me sinto em casa, num lar, é quando me dou conta que, apesar de tudo, eu sou feliz. Aí eu coloco uma chaleira no fogo, ela apita e ele aparece de repente, na cozinha, todo quieto e escabelado feito um menininho. Eu reclamo disso o tempo todo, mas é aquele silêncio que me traz paz.
Ela tem uma bunda maravilhosa. Mas, sério. Eu gosto quando ela adormece no sofá e depois faz manha para ir deitar na cama. Aí eu a pego no colo, tiro cada peça de roupa, exceto a calcinha e as meias. Ela sente frio nos pés, até no verão. Não sei, eu me sinto poderoso e acolhedor. Então ela pede que eu a abrace de conchinha, ao menos até pegar no sono. Cara, eu odeio dormir de conchinha, detesto aqueles fios soltos de cabelo pinicando meu nariz. Mas adoro o cheiro que ela tem na nuca e ficar colado naquela bunda. Não sei como resolver isso.
Não acredito em almas gêmeas ou frutas pela metade, mas eu acho que a gente se pertence, de alguma forma. Eu sou dele, sempre vou ser, mesmo que me apaixone ou sinta tesão por outra pessoa. Não me importo que nesse meio tempo ele conheça outra garota, desde que não transe com ela. Sabe, eu amo ele, de verdade. Que bobagem que eu fiz. Não quero dar tempo nenhum. Olha, sei que pedi pra você passar na noite aqui, mas eu preciso ligar, saber como ele está. Você não vai me achar uma idiota? Então é isso que eu vou fazer.
E se nesse tempo ela conhecer outro? Azar, que se foda. Eu vou até lá. O apartamento também é meu. Sei que estou sendo contraditório, mas como não ser? Eu amo ela. É a minha garota e pronto. Não tem como fugir disso. Eu disse que precisava de espaço, ganhei o espaço e agora estou ouvindo os ecos da minha própria voz gritando o nome dela. Bonito isso que eu disse, né? Tem papel e caneta? Quero anotar pra ter o que dizer quando chegar lá.”
— Gabito Nunes.
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