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sexta-feira, 13 de julho de 2012



"Para que eu abri o armário mesmo? Não tem uma roupa que sirva, e eu não tenho dinheiro pra comprar nada novo. Parece que cada vez que eu passo na frente do espelho ele grita ‘Gorda! Baleia!’. E eu ainda tenho essa droga de festa pra ir. Essa droga de amor não correspondido pra tentar impressionar. A quem eu estou tentando enganar? Seja lá quem for, eu realmente deveria parar. Eu não consigo fazer isso. Isso de encher a cara de maquiagem, cuidar dos meus cabelos e me aguentar em cima de um salto alto. Aliás, quem foi o idiota que inventou isso?
Tic tac e todos vão de saia. Minha saia não serve, o fecho estragou e são dez pra hora da festa. Porra, por qual eu tinha que me encher de comida? O celular toca e é a porra do meu amor não correspondido. Ele quer saber que horas eu vou chegar e eu apenas digo que não lhe interessa porque é verdade. Não lhe interessa, pouco se importa. Não me aguentaria por cinco segundos, na crise que eu passei o dia inteiro. Prefere essas mulheres seguras de si, quase feitas de plástico. Sem cérebro, só peito, bunda, e uma risadinha irritante. Sério, o que tu vê nelas? Nas loiras principalmente. Eu sei que meu pijama de bichinho não tem nenhum sex appeal, mas o que essa loira bunduda tem que eu não tenho? Aé, uma saia que mostre o útero. Eu realmente deveria comprar uma dessas…. mas espera, eu to gorda.
Tenho um grande escárnio por essas festinhas que as pessoas usam como disfarce para sugarem a cara um do outro, ou falarem sobre como a vida deles esta uma maravilha. Pois bem, a minha esta uma grande bosta. Já posso ir embora? Sabe, esse é o problema de não ter um carro, ou dinheiro, ou amigas tão anti-sociais quanto você, elas nunca querem ir embora. E agora nem eu, porque a porta se abriu e eu te vi. Aquele sorrisinho sarcástico no rosto, os olhos amendoados, o corpo fino, mas escrotamente definido. Na verdade, eu quero ir embora, eu quero correr e não ter que te ver. Eu quero vomitar, porque eu odeio essas coisas que se mexem dentro de mim quando eu te vejo. E o fato de que eu me calo e fico ali, parada, sorrindo como toda mulher nesse recinto. Quantas delas você já levou pra cama? Olha, um gato preto. Cadê o álcool dessa festa? Droga, nem meus pensamentos ficam direitos. Por favor, esquece da minha existência só essa noite. Só essa noite deixa eu me martirizar por motivos antigos, e não um novo. Tu já me fizestes sentir mal o suficiente hoje. 
Tu passa por mim e dá aquela piscadinha. Aquela que deixa metade das calcinhas do recinto molhadas e todas me olham com desgosto. Minhas caras, não se preocupem, eu sou só a amiga dele. A boa e velha amiga que ele trata como um dos caras. Porque é verdade, eu ajo como um cara. De dez palavras que eu falo, onze são palavrões, acho mulheres gostosas, e ando por aí como um mendigo, o que há de atraente nisto? Às vezes eu acho que eu mesma me saboto, que eu ando assim só pra ninguém me amar. Amar é estupidez, é coisa de gente que gosta de comédia romântica, chora vendo Titanic, e essas outras coisas. Mas espera, eu faço isso. Sério, cadê o álcool dessa festa? ‘Eai, gorda’. ‘Não me chama assim’. ‘Por quê?’. ‘Porque me ofende’. ‘Bem, tu desligar na minha cara me ofendeu, estamos quites, gorda’. ‘Sério? Quando tu vai começar a me escutar?’. ‘Quando algo do que tu tiver a falar for interessante’. ‘Se eu não sou interessante, então por que raios tu tá sentado comigo?’. ‘Tá vendo aquela loira?’. ‘A de vermelho?’. ‘Não, essa eu já comi, a do lado, de preto’. ‘Hm, o que tem ela?’. ‘Tá com ciúmes de mim’. ‘Como assim? Ciúmes por que tu tá conversando comigo? O que ela tem na cabeça?’. ‘Também não sei, aliás, que milagre te ver de salto, deixou o all star em casa?’. Mas antes que eu pudesse dar alguma resposta sarcástica e desentendida, você já se levantou em direção a ela. Nessas horas eu penso em virar loira. Me adoro porque desisto da idéia cinco minutos depois.
Tequila, a velha e boa tequila. Lamber um pouquinho de sal, morder um limão, e shot, foi por isso que eu vim. Tá certo, um pouco pra te ver também, mas nada comparado a minha vontade de encher a cara e não lembrar de nada amanhã. Acho patética essa tua atitude de tentar me proibir de beber. Às vezes eu acho que você esquece que eu te amo, e que tu tá com a mão na bunda de outra. Sinceramente? Eu não sou de ferro, eu não aguento qualquer parada de boa não.
Uma shot, duas, três. Tudo bem, esse corredor ficou pequeno, e eu quase levei o som pro chão junto comigo. Mas o pior não é isso. Eu to deitada numa cama contigo, de roupa, separados. Isso não é nada parecido com os meus sonhos. 
‘Cadê a loira?’. ‘Beijando as amigas dela’. ‘Essa é boa, foi trocado por uma mulher!!’. Eu não queria rir tão escandalosamente, eu juro, mas lá no fundo eu queria sim. Eu gostava de te ver sendo rejeitado, porque na minha mente tu tava passando um pouquinho pelo que eu passo todo dia. Você chegou tão perto, e ela te trocou por uma mulher, isso é mais ridículo que a nossa situação, ok, a minha situação.
‘Dá pra não rir?’. Tua voz soou magoada e eu fraquejei. Quase te beijei porque tu fica tão lindo fazendo beicinho, fingindo que tá bravo comigo. Eu fui mais forte, eu fui… covarde. Eu tinha a chance porque a gente tava deitado tão perto, eu sentia o teu hálito quente no meu nariz gelado, e as palavras só saíam, sem sentido… ‘Eu te odeio’. ‘Acho que tu me ama’. ‘Acha? Mas eu já…’. ‘Eu sei’. É sério, eu odeio quando tu me abraça. Até meus pensamentos viram mulherzinha. Mas eu gostei, dessa vez, eu digo. Tava todo mundo fazendo barulho, mas entre a gente tava quieto, confortável. A gente nunca tinha ficado confortável assim antes…. a não ser quando eu não gostava de ti. A gente nem falava nada, mas eu dava graças a Deus que não tinha ido de saia, ou alguém estaria vendo meu rim. Só que não dava pra ficar assim pra sempre. Teu pau tava duro e eu tava carente, e ainda assim, a gente tava quieto ali.
Tu me soltou e eu quase dei um daqueles gritinhos ridículos. Bem que a minha cabeça podia funcionar e lembrar que tu é uma má ideia. Tu não parava de olhar pro meu lenço e acabou tirando ele. ‘Já disse que eu amo teus peitos?’. ‘Ahn…’. ‘Porque eu amo. Posso apertar?’. Eu ri, eu queria dizer sim, mas quão vagabunda seria eu? Sério, não sou esse tipo de mulher. Não sou igual essas loiras que se jogam pra ti. Eu… eu tenho personalidade, sou formada, não preciso dar o golpe do baú pra ter alguma grana, se bem que tô zerada. E sem carro. E divido um apartamento. Tudo bem, eu posso não ter grana, mas eu também sei me respeitar. Mentira, nem isso eu sei.
‘Po-pode.’. ‘Cara, eles são melhores do que eu imaginava.’. Pronto, fudeu com a minha mente, já pode ir agora. Pode ir agora e deixar meu cérebro funcionar do pior jeito possível. Me deixa aqui, paranóica, quase louca. Pelo menos tô sozinha. Pelo menos teu perfume não tá piorando meu estado deplorável. Pelo menos não tô pagando de mulherzinha. Ou tô, porque tu tá especialmente bonito hoje. Branco…. branco ressalta a cor da tua pele, teu cabelo preto. A camisa marca as costas, mas meus olhos vão pra baixo e eu quero apertar a tua bunda. Já faz um tempo. Não é grande, nem pequena, é redondinha, é bonitinha. É… gostosa. Tu é todo gostoso, dá vontade de lamber. Oh céus, só pode ser o álcool.
Tu volta e se joga em cima de mim. Peito com peito, e o teu tá respirando tão descompassado quanto o meu. Tu bota aquela mão boba nas minhas coxas, as pressionando e mesmo uma parte de mim querendo dizer para, a outra mal consegue falar. ‘Acho melhor tirar essa mão daqui’. ‘É..’. Eu quase suspirei, eu não queria mostrar que tinha gostado, mas pela tua cara, tu sabia. O sorriso ia de ponta a ponta, e se eu pudesse tinha feito tudo contigo ali mesmo.
‘Me dá um beijo?’. Eu não conseguia tirar os olhos da tua boca, tava me deixando maluca. Tão maluca que eu pedi, porque aquela dorzinha de estar perto e ir, e voltar e repensar, tava me matando. ‘Por quê?’. Tu ria, mas eu nunca havia falado tão sério. Eu queria um beijo porque eu quero fazer essas coisas de mulherzinha contigo. Eu quero ir no cinema pra não assistir o filme. Eu quero acordar de manhã e me sentir a pessoa mais feliz do mundo porque tu tá do meu lado. Eu quero usar um jeans 44 e me sentir bem, porque tu me ama desse jeito. Eu quero um cachorro chamado Rex e gêmeos. Eu quero o clichê. Pela primeira vez na vida, eu não quero ser diferente. Eu quero ser dolorosamente igual, porque contigo tudo tá bom. Porque contigo, até o mínimo é máximo. Porque contigo eu não me sinto na necessidade de ter medo. É ridículo porque tu seria tua primeira opção, e eu sempre seria a última, mas eu não me importo. Eu não me importo porque eu ganhei um selinho. Eu ganhei a semana. Eu ganhei o ano. Dessa vez fui eu, não elas, e isso já é satisfatório até demais. Tu pode tá rindo agora, e eu posso tá vermelha igual a um pimentão, e bêbada o suficiente pra tirar a roupa na frente de todo mundo, mas valeu à pena. Mesmo tendo sido uma brincadeira, mesmo que tu acorde amanhã e não tenha sido nada pra ti, e com certeza não vai ser, eu ainda vou estar feliz. Eu ainda vou estar enjoadamente mulherzinha, e eu não vou querer vomitar por isso. Eu vou passar na frente do espelho e ele pode gritar o quanto quiser, mas teu elogio ainda vai soar mais alto. E mesmo tudo isso sendo péssimo pra mim, ter uma auto-estima dependente de ti, te amando antes de mim, eu não me importo. A felicidade é maior, isso ou o nível de álcool no meu sistema. Mas eu também estou cansada dessa montanha-russa, eu tô cansada de te esperar, de ficar no fundo da festa, amarga, bebendo, e não podendo ser mulherzinha contigo. Ou pelo menos vagabunda, sem me sentir culpada. Como tu nunca te sente culpado? Ou alguma ânsia de culpa ao dizer que vai ligar no dia seguinte para elas, mesmo nem tendo o número delas? Não, em vez de sentir mal, tu me liga. Me liga pra contar sobre como a noite passada foi ótima, e como tá doido pra me encontrar, ou como tá morrendo de saudade, e esquece que eu tava lá também, que eu vi tudo. Mas não, no final do dia sou eu. Sou eu depois que o desejo passa, a cama esfria, o papo fica chato. Sou eu porque eu, e lá no fundo tu sabe, sou a única que te entendo. Eu sou a única que atura tudo que tu faz, que consegue te ouvir sem bocejar, porque finanças é chato pra caralho. Eu sou a única que ainda te espera, e eu não sei o que fazer com isso. Eu tenho medo de te querer tanto, que se um dia for recíproco, eu não queira mais. Porque no final das contas eu gosto disso, eu me obriguei a gostar disso porque quem ama, qualquer migalha tá ótimo, e pra mim então, tá perfeito. 
Tu sempre volta, por mais que a gente brigue feito criança, e passe semanas sem se falar, mesmo que eu repita todos os dias que te odeio e não aguento mais ouvir a tua voz, tu volta. Porque é o que tu conhece, é confortável. Tem amor, tem as vontades feitas, tem aquela pequena diversão que tu sempre consegue ao me irritar, e acima de tudo, tem alguém que é incapaz de te deixar sozinho. Que sabe aproveitar o silêncio, e não ser extremamente mulherzinha. Alguém que sabe manter uma conversa por mais de quinze segundos, sem dizer ‘Onde é teu quarto?’. No final, tem nós, que é todo errado, sem sentido, e principalmente não existe, mas tem. E esse ‘nós’, querendo ou não, te apetece tanto quanto ter passado a mão nos meus peitos, e pelo que vi, te apeteceu bastante."
— Escárnio, Tequila e Mão Boba, Camila Reis

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